A solidão vinha com um gato silente e manhoso. Agarrando-me pelas pernas. Prendendo-me ao chão frio. Deixando-me com as cartas mal embaralhadas e um sorriso tosco pelo rosto.
Enquanto seus olhos tristes tocavam-me o coração, sorrateiros amontoavam toneladas de desespero aos meus pés. De onde vinha tanta infelicidade? Um gato tão manso... Condenado a arrastar consigo todo o mal-estar possível. Era como um alcoólatra. Compulsivo. Trazendo-me todo aquele lixo como sacos de suculosas frutas. Doces. Mortais. Contaminadas com veneno pra alma. Programado para desfibrilar todo o composto etéreo de meu brilho. Suas garras afiadas fatiavam minha paz, furtavam-me a esperança e desligavam o som.
Depois da dor seu pelo macio afagava-me com uma doçura insuportavelmente embusteira. Era assim, mordendo e assoprando, que me dominava.
Tornou-me dócil como seu suposto perfil.
Enfim enfeitiçou-me.
Marionete de suas dores me tornei.
Vendedora de suas ilusões.
Enfeitei seus brinquedos, fi-los vender. Aaaah... e como solidão fantasiada vende! Todos adoram histórias de pobres amordaçados para descontrair.
Serva de minha própria rotina.
Robô de meus próprios comandos.
Ordens programadas levaram-me por outdoors rasos e superficiais. Contudo, apesar de simples, as mensagens trouxeram-me as velhas chamas das palavras. Letras enfileiraram-se por caminhos sinuosos conduzindo-me a brumas distantes e tochas soberanas. Incendiaram minhas lembranças. Os olhos refletindo o pôr-do-sol... Um suspiro úmido soprando-me pequenas verdades... O grito selvagem das ondas do mar...
Dias silenciosos... E o gato que definhava pelos cantos. Derrubando as paredes mudas que cercavam-me como torres assombradas. E então o sussurro breve anunciou a sentença:
_ Quem tem fé sabe que não está sozinho.
E de repente, de pequeno o gato virou nada, nem um último miado a me assombrar. Somente um ronronar em meu corpo anunciando o fim.
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