sexta-feira, 23 de abril de 2010

pra quem não pode controlar...


" Aah, eu perco o sono, lembrando em cada riso teu qualquer bandeira aah,
fechando e abrindo a geladeira a noite inteira... " - Cazuza e Bebel


Quando a gente está apaixonado tem tanta coisa que sente ao mesmo tempo...
Aaah, tem tanto coração acelerado, tanto coração na boca, tanto coração em beijo e tanto coração em sonho... E tem tanta palavra nova que surge e faz do nada um texto complexo pra caramba, banhado a antíteses, metáforas e um monte de palavras que nem lembrava que conhecia... E as cores lá fora parecem mais vivas, a vida parece algo maravilhoso, viver parece muito mais essencial... E a saudade aperta sempre, qualquer motivo lembra, qualquer lembrança faz rir...

Aaah, sim, eu sei como é estar apaixonada, eu me lembro muito bem. Lembro de meu corpo formigar, e também de como meu sorriso podia ultrapassar os limites da cara. O jeito como meu coração me atropelava e como eu não dizia coisa com coisa. É, eu lembro.

Acontece que não tem como a gente escolher quando vai acontecer, nem com quem. E por esses dias resolvi dar uma de cupida de mim mesma. Dá pra acreditar? Não, e não deu nem um pouquinho certo. O que tenho agora? Um coração na mão e a faca na outra. Só que nesse assassinato o assassino também corta a própria mão. Deixa uma marca funda, pra ver sempre. Pra lembrar que o papel de Afrodite só a ela pertence.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Just Like Heaven

Arrumou-se com um pouco de pressa, combinara às onze. A mão firme retocava o lápis na parte inferior dos olhos. A sombra clara destacava seu olhar escuro. Nos lábios, o vermelho atípico. Há muito se esquecera de como ficava bem com ele... O celular tocou em algum ponto do apartamento. Riu consigo ao pensar que nunca conseguiria deixá-lo em lugares de que se lembrasse e então foi procurá-lo. Mais alguns minutos, risos ao telefone, um pouco mais de perfume, uma última olhada ao espelho... Pronta.

No carro batidas agitadas pré-diziam a noite. E por causa do vidro meio aberto um vento gélido beijava-lhe a face. Deliciada com o gosto puro de liberdade cantarolava alegre a canção ressonante. Lá fora uma lua gorda e brilhante parecia gargalhar misteriosa como se pudesse prever a noite da bela moça.

Parou a menos de cem metros da boate. Tivera sorte, nem mesmo ela saberia explicar como conseguira aquela vaga. Afinal eram quase meia-noite e a fila fazia ciranda pelo quarteirão. Contudo não estava nem aí! Era uma linda noite, as estrelas pareciam holofotes e ainda sentia um vento tímido sobre a pele. Nem brincar de roda com toda aquela fila poderia arrancar-lhe o bom humor.

Já na festa o ambiente escuro e a música alta empurraram-lhe forte e sem tempo nem ao menos para respirar ao cume de toda a animação. Com um suspiro substancioso derramou o vento que lhe faltara ao entrar. Muita gente, conversas saltando aos ouvidos e um pouco de fumaça foram os ingredientes finais despejados à mistura fervente que compunha o ambiente. Um breve passeio pela pista e pode ver uma agitação louca de braços e gritos a sua espera. Pensou então que são nessas horas que cogitamos fingir que não é com a gente que estão mexendo. Mas por alguma razão louca ou por simples remorso, de lembrar que também era capaz de insanidades do tipo, foi ao encontro das garotas. Afinal a falação deu-lhe sede e em busca de uma bebida foi ao bar. De longe pode ver ombros largos e um jeito largado de encostar à bancada. Interessante.

“Não acredito!” – a frase surpresa da menina foi seguida por um olhar de espanto do rapaz.
“Eu...aah...”
“M* não é? É T*, a gente estudou uuhn... o ensino médio todo juntos.”
“T? Nossa, quase não te reconheci! Você está tão... bem!” – a garota sorriu em resposta. – Faz...”
“Muito tempo. Eu sei.”
“É... isso. Mas como você tem passado? Morando por aqui?”
“Uhum, fim de faculdade, vida nova, apartamento novo, tudo, er... quase tudo, novo.” – os dois riram um pouco.
“Nossa, que inveja, quem dera eu estive terminando.”
“Ué, mas não?”
“Aaah, a faculdade sim né, agora têm mais três anos de residência daqui pra frente.”
“Olha só o outro reclamando de barriga cheia! Já vai estar ganhando rapaz, não ‘tá bom não?”
“Bem... bom bom bom...”
“Não ‘tá não.” – os dois riram recordando os velhos tempos. – “Sei, sei... Mas e aí, ‘tá com galera aqui?”
“To, to com um pessoal ali...”
“Pois é, é que eu também, e as meninas estão me esperando...” – o rapaz olhou pra baixo e depois pros lados distraidamente como se tentasse se agarrar a algo que os prendesse ali. – “Não quer juntar o pessoal não?” – o loiro voltou o olhar para ela.
“Claro.” – um sorriso discreto encheu o rosto dela. Fazia tanto tempo...

Quando finalmente todos foram reunidos, o que a princípio deixou as moças furiosas com o fim precipitado da noite das meninas pareceu a melhor ideia da noite após um pequeno intervalo.

“Aaaah, para! Eu amo essa música!” - As mangas soltas do vestido estampado dançavam acompanhando seu compasso leve e único. Ele sorriu, de verdade, como não fazia há muito tempo. Cara, como ela lhe fazia bem!
“T*, você... ‘tá muito linda.” – o rosto corado dela ganhou um tom a mais. Ela sorriu.
“Eu... eu não imaginei que você fosse ficar assim.”
“Assim?”
“É... Assim.” – Seu olhar brilhante e a boca exalando mistério não deixaram que ele contestasse mais uma vez.
“Eu não acredito que deixei você passar... Eu era um garoto realmente muito bobo.”
“Eu também não acredito que te deixei passar...” – Seus olhos viram-se como não faziam há muito tempo e a música já não importava mais. Seus corpos encontraram-se e o gosto doce da boca dele encontrou a sua. Ela não se lembrava de ter esquecido do mundo em mais nenhum beijo. Mas ela já não se lembrava mais... Eles se encaixavam perfeitamente, sincronizados, análogos sem nem precisarem de nada igual, aprazíveis. Ficaram ali, não se sabe, quem sabe até o tempo parou... Primeiro foi descoberta, depois bem... Foi intensidade. Uma intensidade que não se lembrava em nenhum momento antes, mas ela já não se lembrava mais... E no fim, bem, não teve fim. Foi só... Quando eles sorriram.

“Eu vou buscar uma bebida. Você quer?”
“Quero, aar...”
“Vodka com kiwi.”
“Você ainda lembra...” – Ele sorriu em resposta e virou. Agora as lembranças inundaram sua mente e pras costas dele ela se despediu. Correu. Fugiu. Saiu pela noite sem rumo ou direção. E a lua parecia gargalhar misteriosa como se quisesse dizer que tinha razão.


*de asas a sua imaginação ;)

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era pra ter ficado 1k de vezes menor, mas no fim... bem, textos são assim, quando ganham vida parece que suas pernas são capazes de correr por léguas sem se cansar. Fogem.

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à
[efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das
[casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas
[junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultura e merencória infância.
não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e comtempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 4 de abril de 2010

Péssimo Dia

Quando nascemos não vemos direito nem a memória é boa. Daí vamos crescendo e com o tempo tudo se torna mais complexo. Passamos a ter noção das coisas ao nosso redor. Mas o tempo continua caminhando, quicá pra alguns até correndo... e quando ficamos velhos voltamos a ignorância original.
Um paradoxo meio estranho. Meio correto. Meio triste. É... meio triste.
Talvez seja porque esse começo e fim mudos nos tornem melhores do conseguimos ser durante todo o tempo de sentidos aguçados. Ou quem sabe só seja melhor mesmo esquecer...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

um pedacinho do bolo

_ Vendo pedaços de palavras tão fortes e queridas perguntou-se então, mais uma vez, como ela consegue? Ser tão boa no mais simples que faz? Em seu íntimo foi relembrando textos, remoendo vivas, remexendo em si. Lembrou-se de vozes alheias apagadas por sua mistura de palavras tão viciante que chegava a entorpecer. E os olhos esperançosos que só podia imaginar? E lógico, as palavras de surpresa que guardava tão carinhosamente em sua caixinha de joias. Caixinha esta que escondia no bolso e levava consigo para que acalentassem-na sempre que necessário, ou podemos ler simplesmente, possível. E as letras de outros? Aaah, estas serviam de cobertor à noite e as vezes ocupavam o lugar dos ursinhos, que infelizmente já não enchiam metade do quarto. Quem sabe onde estariam... Quem sabe sorrindo com outras crianças ou fazendo de ciscos amiguinhos. Quem sabe... Mas o fato é que a ela já não serviam de consolo. As brincadeiras de antes, tão simples, já não satisfaziam. E as explicações fáceis que já nada explicavam? Assim também era com a pelúcia que antes tão bem confortava.

É... o tempo insiste em usar todo o potencial de suas grandes pernas substanciosas...

E agora podia ver alguns pequenos gestos tortos, e seus muitos motivos. Motivos vivos, motivos vulcanosos, motivos seus. Assim lembrou-se do amor e também de pequenas políticas. Lembrou-se do fel e do gosto muito doce do um bem acompanhado ou quem sabe até do nove que muitas vezes revoltado por não ser dez brilhava muito mais. Brilho cor de mel, com gosto de mel e cheiro também. Talvez com mel demais... Com o cair das folhas, o doce perdeu-lhe a graça. Perdeu-lhe a pose e os rodopios simétricos. Perdeu-lhe o rosto de porcelana e a postura de bailarina. Perdeu-lhe o som, perdeu-lhe a canção e a melodia. Então perdida, no escuro assustador dos ouvidos, sentiu-se . E tão só consigo viu seus gritos ecoando, quentes, pelo corredor. E de suas cores notou os pontos fervilhantes de revolta, os pontos ácidos de críticas, os pontos viris de metáforas. Metáforas tantas que afogava-se entre cadeiras, comidas e ventiladores. E no meio de tanta bagunça pode notar enfim que seus olhos fortes e suas mãos macias de dedinhos pequeninos estavam ali pra mexer com o de fora, não o de dentro.