quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

É só que...

Acordei cansada. Cansada por um dia que nem ao menos havia começado. Cansada por um ano denso e cheio de laços mal acabados que dirá desfeitos! Cansada por uma vida curta, mas com muitas, muitas histórias longas e nem sempre reais.

Cansada dos carros, das pessoas e das situações. Cansada das paradas, das queixas e até do sono pela tarde. Cansada da rotina dura e segmentada. Cansada do parar que nunca significa parar. Que é só um descanso insignificante no meio da confusão que a vida se tornou. Que significa continuar uma merda de rotina que não te leva a lugar algum. E continua te deixando parado. Independente do quanto você corra, do quanto você faça. Que te transforma em uma estátua ambulante. Com um monte de sorrisos montados e movimentos automáticos.
Acordei, contudo a vontade de abrir os olhos não me acompanhou. Quis continuar assim, deitada, ouvindo muito pouco do que ainda não começara e de resto sem mais sensações. Talvez o aconchego da cama a me acariciar a pele e o ego também. Ou o gosto seco da boca de manhã. Mas a acrescentar, nada.

Acordei mais uma vez sem rumo, direção, sentido. Acordei sem mim. Sem o que me acompanhar. Acordei com olhos já abertos e tive vontade de fugir. De correr. De gritar. Mas me calei diante de todo o barulho lá fora.

Acordei e vi luzes acesas esperando por seus donos a lhe darem descanso. Acordei e vi cartas sendo entregues, ruas sendo limpas, guarda-chuvas sendo fechados. Eu vi o sol brilhar opaco lá fora. Montes de paisagens sem significado. Li mensagens ocas e verdades vazias. Encarei mentes indiferentes a realidade pobre por todos os lados.

Minha janela tinha olhos grandes e arregalados. Não queria acreditar. Só encarava muda aquele monte de sensações e uma realidade que procurava não enxergar. Fiquei parada assim um tempo, não sei quanto. Enfim um velho passou embaixo da sacada e me sorriu, como se tudo ali fizesse sentido. Depois me encarou e disse:

- A vida é assim mesmo, filha. Um dia a gente para e vê que valeu a pena. Mesmo aqueles dias em que grita como um louco e ninguém te ouve. Até quando toda a tristeza do mundo quer te sufocar. Você descobre que venceu, mesmo que na época não soubesse de quem ou do que. Não precisa parar para perceber isso. Vai acontecer. Mas se antes disso sentir que o tempo pode cessar ou seguir eternamente, desculpe minha filha, mas você morreu.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O que eu tinha pra falar

Vontade de gritar. De dizer que não espero nada do futuro e que posso fazer. Que quero tudo agora e não faz o mínimo sentido esperar. Te repetir que admiração não é amor e não me importa o que parece certo. Que não sei de nada e vou continuar sem saber. Mas não tenho a menor dúvida quanto ao que não quero deixar de arriscar. Que deixar pra ser eu mesma depois é exatamente o tipo de erro ao qual não pretendo cometer mais uma vez. Berrar minha impulsividade até você entender e tapar todos esses buracos que ficaram no caminho entre nós dois. Te abraçar forte com a certeza do que sinto e te pedir pra repetir tudo de quando você não tinha certeza de nada.
Vontade de gritar sem me sentir culpada. Ou de dizer que não mando na merda do meu coração. E que ninguém manda. E que eu já não sei mais o que você quis dizer. E que esse monte de pontos de interrogação não me servem nem de pergunta nem de resposta. E que tudo como está pode ser insuportável às vezes. E dizer que não quero nada, nem seu futuro, nem sua presença, nem suas lágrimas. Só a certeza de que também sentiu o que arrastou o meu peito e o fez vibrar. Que os seus braços ao meu redor foram de verdade e que meu pescoço não imaginou o que sentiu.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

And I don't need...

eu não preciso de sua confusão densa e imprecisa. ou de sua fala insegura e seu jeito leve demais. não preciso de suas dores ou de seus passos na frente dos meus. seus pensamentos muito mais rápidos e contrastantes com o que eu realmente quis dizer. não preciso daquelas palavras que li nem das que sei que já pronunciou. E não, não preciso de outras lágrimas. Não quero as dela. Ou as suas, ou as de ninguém. Já me bastam as minhas que sufocando um dia chegaram a me inundar...

Em minha mente, músicas insistentes no silêncio a espera de seus dedos. Já os meus, ah! Meus dedos brandem ágeis procurando esconder o tremular que só de pensar me vem. Também meu peito vibra, e pede o abraço a me cobrir e transbordar. Uma, duas, quantas vezes quiser... E o pescoço oblíquo espera o toque embaraçado que de doce a bravio nem um segundo separa. Mas que não mais do que isso também duram. E você foge, eu fico. Mas me leva também. E na dúvida me encaro tão lá quanto em qualquer outro lugar. E fecho os olhos buscando algo que me prenda às margens desenhadas. Para logo já não saber quando foi que o gravite deixou os sonhos despertar.

... another kind of green to know: I'm on the right side with YOU. ♪

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um só

Mas fazia tempo que sua mente girava por outros turnos. Que falava por outros tons e cantarolava outras canções.

As palavras continuavam em um canto escondido e meio empoeirado procurando se recompor e encontrar uma outra saída. E ela lá, com os fios bagunçados, os lábios já nem tão sorridentes assim e aqueles dedos a tamborilar sobre qualquer objeto. Intrínseca mania paranoica. Entrincheirada sobre os escombros de sua própria paz. Buscando em vão cair em correntezas que a tirassem de sua própria. Acompanhando noticiários mais pessoais que a maioria dos que cumprimentava pela rua. Cumprimentos... Sempre tão opacos e perdidos. Como se todos buscassem por respostas impossíveis de se ver no olhar alheio. Esquecendo-se dos espelhos de suas próprias almas. Esquecendo-se de ser pra quem são e mendigando respostas pra seus quadros sujos e borrocados pelas paredes.
Achando luzes vermelhas por todas as ruas, casas violadas por seus próprios criadores. Fantoches espalhando sorrisos impuros por caminhos desertos e completamente subjugados a pessoas más. Braços e pernas vibrantes de uma doença rechaçada por sua mente sã. E no meio de tanta loucura, passos combinados de pessoas carentes e submissas à exibição.
E de repente seu sorriso torto. De um de repente contínuo e obstante, perplexo e fugaz, cumpridor e piedoso. De repente a contenção de uma gargalhada insana. E de repente berros ocos. Contudo a louca que seria levada ao hospício era a mais sã das mentes presentes. E de repente o presente flagelado de toda uma civilização. E de repente só. Um só sem solidão. Um só sem dor. Um só de certeza pela insensatez de um mundo ao qual não merecia pertencer. Um só.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

E agora?

E agora sua voz a assobiar pelos fins de tarde ou mesmo em alguns sonhos pela manhã. E agora a lembrança vaga do desespero seco e a certeza amarga da hesitação, da falta de credibilidade, das minhas dúvidas...
E agora dois meses e as suas letras prestidigitosas, sorrateiramente, invadem mais uma vez meus minutos e as horas entre eles.
E agora tudo que eu não quero mais acreditar e tudo que não me foi explicado. E agora meus olhos vagueantes e a vontade bravia de entender tudo o que você não quis dizer. E agora meus sorrisos que forço pra conter e o escárnio da não-necessidade.
E agora vai e some. E me deixa com o abandono a me acompanhar. Deixando-me enfim sussurrar velhas canções em outros ouvidos e esquecer que um dia elas só me fizeram lembrar de você.

Labirinto de Palavras

O que ouço é alegre e melodiosamente agradável, mas minhas palavras parecem chorar.
Gotas escorrem fortes,
mas em meu peito nem uma mão sequer. Nada me aperta, só um vazio assobiante continua a perseguir.
Ouço vozes lá fora, mas nada compreensível ultrapassa minhas barreiras.
As pontes foram levantadas, alicerces erguidos, e agora?
E agora nada?
E agora cai?
E agora um vento forte que destronou o próprio trono?

E agora um sonho dentro do sonho.
Ou talvez só o meu labirinto de palavras
...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um Domingo

- Daí você prefere acreditar na mentira dele a minha verdade?
- É... – meus olhos foram de encontro ao chão. – Pelo menos da mentira dele eu posso ter certeza... – Levantei o rosto e meus olhos pediam desculpas, desculpas que não sairiam de meus lábios. Ele me encarou de forma diferente, procurando em mim uma interrogação que só existia em sua mente. Encarou-me por alguns instantes, mas não pareceu encontrar a resposta, então se curvou como se fosse dizer algumas últimas palavras, mas desistiu, se virou e caminhou em direção a porta.
Minha garganta ficou fraca, minhas mãos e braços tremiam, mas minha boca ainda conseguiu balbuciar um ‘não’ quase inaudível que o fez virar e o grito de meu peito sair:
- Fica. Eu... Não quero ficar sozinha. Eu vou ficar louca. Só assiste comigo alguma coisa que me faça rir e esquecer um pouco tudo isso. Depois...
Ele tampou minha boca com as mãos e completou:
- Depois a gente vê como é que fica.
- Não, mas você tem faculdade... Depois você pode ir. – minha voz já quase sumia novamente e eu via o contorno sujo de meu all star balançando na semi-escuridão.
- Isso é depois... Depois a gente vê isso. – Ele me abraçou como nunca até aquele momento havia feito, e me carregou para o sofá, onde ligou a televisão.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Setembro

No céu lá fora a lua.
Tão cheia quanto meus dias.
Tão branca quanto as lembranças daquela cor...
E agora é só o seu cheiro e a conta que me deixou aqui para pagar.
Fecho os olhos e vejo o céu negro, as nuvens poucas e pontos brilhantes que nem tem nada a me significar. Não, nenhum significado esta noite.
Só a memória de uma lua desfalecida e a certeza de um sonho a me abraçar. É, meu sonho lindo a valsear pela mesa, pelos pratos mal comidos e a toalha me servindo de vestido.
Só as noites mal dormidas e carinhos de manhã.
E então abrir os olhos e se esquecer da lua, da dança ou de qualquer toalha amassada esquecida no fundo de lugar nenhum.
É só respirar e se convencer de mais uma manhã de setembro e um mês que está difícil de deixar passar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Um Corredor Qualquer

E mesmo agora quando me lembro, não sei o que pensar. Você me esperando chegar até você. E eu não querendo admitir caminhar mais uma vez em sua direção. Meus passos lentos arrastavam-se pelo chão, mas levavam tão rápido o tempo que nem ao menos pisquei e estava lá. E os seus olhos tão perto, e tudo em você que eu já não queria mais lembrar. E sua boca, e suas mãos e seus movimentos. Tudo tão... E de repente você só me olhou, e só me fez te olhar. Nenhuma pergunta, nada a responder. Só você e eu. E as nossas respirações rudes a competir com exasperação.
Às vezes foram só as cores de um passado soprado há tempos, vendavandeando a nossa volta. Às vezes foram só as suas memórias frescas a me aquecer. Às vezes foi tudo o que a gente quis e nem se deu o trabalho de tentar...

Às vezes a gente só deveria continuar dormindo e se esquecer de piscar no segundo seguinte, quando tudo parece passar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Lágrimas de Céu

Cercada pela sombra escura da noite caminhei, sozinha, pela trilha já tão corriqueira e habitual. Caminhei pelas pedras pequenas e pouco irregulares. Caminhei silente, mas com um sorriso que gritava toda a paixão insistente na transbordância de meus olhos. Que gritava revoltoso, toda a repugnância de minh'alma com o amor fútil e a aliança fugaz de amantes impuros do mundo sujo que criaram. Que gritava toda a liberdade de algemas que nunca arrocharam meu corpo. Que gritava toda a leveza das gotas que se esvairiam de espaços negros tão mais altos que os arranha-céus.

Foi um sorriso doce que se escapulia sapeca, como uma criança que insiste em correr mesmo nem sabendo andar. Uma criança que correu, que corre e que voa de vez enquando. Como agora, quando as palpebras fecharam-se e os braços deslizaram rápidos pra logo em seguida planarem calmos e serenos. Como agora, uma criança vivaz que insiste em correr pra tão longe, tão distante, que nem andando conseguiria calcular. Que nem voando saberia quando chegar. Que corre mesmo não sabendo onde pisar. Que vai, vai, e enche o peito de um ar resvaladiço, passageiro contrário a sua direção. E se enche dele, deixa-se dominar até que nada mais não caiba lá. Até que suas pernas ardam e a curva esteja próxima. Então para e olha pra trás, olha o que deixou e consente que dancem pelos lábios deleitosos sabores de passado e saudade.

Enfim sigo andando com o sereno fino da madrugada de companhia e o pulso forte que não me deixa esquecer do quanto lágrimas de céu me fazem bem. De como esses brilhos que me encharcam a pele a fazem sorrir e vibrar com a perspectiva de novos dias. Ou noites.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

" You know that I can use somebody "
someone like you and all you know, and how you speak.




Mentira, a quem quero enganar? Eu não quero ninguém pra ocupar seu espaço. Nem você. Eu só quero meus risos que nem sei quando te dei e o meu velho amor que nem vejo mais ao cruzar os mesmos corredores. É só a antiga rotina, não essa bagunça que revirou meu quarto e carregou minha alma pra tão longe que nem sei... Eram só as mesmas páginas e a minha imaginação.
E não paro de me repetir o que sempre soube: não seria você. Mas a falta dos amigos de sempre e das pipocas à tarde, a falta de deixar alguém entrar e me distrair, mesmo que por algumas horas, faz meu coração que nem é seu levantar de vez em quando se te vê.
Eu só queria uns dias na praia e aquela companhia que nunca vai me lembrar de você ou de qualquer outro.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Palavrões à Parte

Essa arrogância e o deboxe estampado à humanidade...
Você me irrita.
Elas te amam.
Gostam de acreditar que com elas será diferente. Gostam da ideia de chegar onde ninguém foi. Gostam do doce sabor de ilusão de seu veneno.
Você as corroe.
A cada palavra dura, a cada enfrentamento.
As que te largam pelo caminho, paciencia, fracas oportunidades...
As que te importunam... Talvez você aproveite pra mostrar o quão mau pode ser.
As que por algum acaso te interessam... Bem, essas você pode até iludir a si mesmo que talvez possam te satisfazer. Mas depois de um pouco, depois de olhos brilhantes e sorrisos, depois da conquista fácil e de muitas palavras que parecem meias, você por dentro grita e sua alma destrói os grilhões novamente.
E assim você segue os dias, passa suas horas pessimistas tentando se lubridiar com diversões. Contudo, continua procurando o lago fundo onde seus olhos um dia já se afogaram. Vai enganando a lixa em suas entranhas que tenta polir o que já foi liso e cintilava com o amor.

Quero Mérito

Eu já entendi. A pose de bom moço... A total pose de bom moço não agrada. Não agrada, pois não serve de incentivo. Não existe luta, não há de verdade emoção. Não é só uma batalha ganha em uma guerra. É uma guerra ganha em uma batalha. É segurança demais. Ou talvez prepotência...

O caso é que quando se tem tudo na mão a desvalorização vem a galopes. Quando se tem nas mãos uma segurança que não é só sua, que pode ser de qualquer uma que dê um pouco de atenção, quando precisa mais de uma companhia que de sua companhia, a atenção para de valer a pena. Sua vantagem parece pouca perto do púrpura derramado pelo brilho alheio. O cintilar doce e calmo de um amor simples não parece reluzir tão bem com uma armadura forte e enferrujada. O que se tem é muito pouco ou quase nada.

Apesar da boa intenção, da vontade de querer, o fervor quente e úmido da paixão precisa mais que um pouco de mel pra saciar. Precisa de fogo, precisa de seda e precisa até de um pouco de dor. Tem que arder mesmo que frágil. Tem que aprazer mesmo que rude. Tem que te seduzir e te largar só quando em multidões.

Tem que valer a pena mesmo que não valha nada. Tem que ser seu. Mas com mérito.

Lóri

" Lóri, pela primeira vez na sua vida, sentiu uma força que mais parecia uma ameaça contra o que ela fora até então. Ela então falou sua alma para Ulisses:
- Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.

Olhou para Ulisses com a humildade que de repente sentia e viu com surpresa dele. Só então ela se surpreendeu consigo própria. Os dois se olharam em silêncio. Ela parecia pedir socorro contra o que de algum modo involuntariamente dissera. E ele com os olhos miúdos quis que ela não fugisse e falou:
- Repita o que você disse, Lóri.
- Não sei mais.
- Mas eu sei, eu vou saber sempre. Você literalmente disse: um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.
- Sim.


Lóri estava suavemente espantada. Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos; era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço?
Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não. Não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo. "
(Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Somos

" A verdade é que somos sempre muito invejosos para compartilhar da felidade dos outros e pensamos ser generosos o suficiente para entender a dor alheia. "

Fátima

" Vocês esperam uma intervenção divina mas não
sabem que o tempo agora está contra vocês;
Vocês se perdem no meio de tanto medo de
não
conseguir dinheiro pra comprar sem se vender;
E vocês armam seus esquemas ilusórios, continuam
só fingindo que o mundo ninguém fez!
Mas acontece que tudo tem começo, se começa um
dia acaba, eu tenho pena de vocês... "

sábado, 17 de julho de 2010

Se Toca, Garota!

.
"If you could save me,
From the ranks of the freaks,
Who suspect they could never love anyone." - Aimee Mann


Quer encontrar seu príncipe encantado? Então trate de encantá-lo. Porque só esperar e ficar reclamando, realmente, é muito fácil. Ninguém tem nada de graça assim não garota, e aposto que aquela sua amiga com o namorado perfeito e que vive babando por ela, lutou pelo que tem hoje. Além do mais, sem luta, não há valor. Por isso você não gosta daqueles fofos que diz querer amar.

Falar das dificuldades e mostrar como sua vida é difícil e digna de pena NÃO te ajuda em nada. Ficar se remoendo ou sendo pessimista não torna nada mais real. Pelo contrário, fica tudo mais difícil, mas longe do possível.

Textos tristes e melancólicos não são mais atraentes, e tristeza também NÃO traz mais inspiração. Eu diria que é muito mais comum estar indiferente a realidade – para a maioria de nós – ou mesmo triste do que sentir-se pulsar e ver tudo mais colorido. Por isso, quando acontece de estar muito feliz/apaixonado/louco ninguém se preocupa de ficar que nem um retardado procurando escrever algo bom ou aproveitável, afinal logo a felicidade vai-se embora e bem, ninguém quer lembrar-se de ter gastado esse tempo escrevendo ínfimos e tenros textos. Mas quando se está triste pode ocorrer uma ligação - muito complexa e de certa forma incompreensível pra mim – com a prolixidade ou a profundidade que levaria diretamente a escrita. O que não quer dizer necessariamente que ficamos mais inspirados quando tristes. Já que essa ligação mega estranha também pode ocorrer em outras ocasiões. O que geralmente não ocorre por falta de tentativas, quem sabe... Vai ver é só a vontade de desabafar mesmo, né?

Assim como ficar no ‘e se’ também não leva a absolutamente NADA. Se é ‘se’ é porque não foi, se não foi é porque não era pra ser, ou você não se esforçou o suficiente, ou alguém fez algo errado, ou ou ou... Não importa, o fato é que não aconteceu e ficar pensando como seria é uma idiotisse que só nos faz mais infelizes com todas essas probabilidades inexistentes. Não fique sonhando com o que você diria se estivesse lá de novo, o que tentaria se ele tivesse esperado mais um pouquinho, como seria se tivesse voltado atrás... Você NÃO fez isso. E sim, pode ter sido uma imensa burrice sua. Mas a não ser que tenha como mudar o que está feito, não tem mais motivo algum pra ficar remoendo. Como diria a Claire de Elizabethtwon : “Você tem cinco minutos para mergulhar na tristeza absoluta: aproveite, desfrute, descarte. E siga em frente.”

Há também de se parar de colocar a culpa nos outros, na sociedade, no mundo como está... Afinal, a sociedade é VOCÊ. Você faz parte do mundo assim como também das outras pessoas. Falar que a culpa é por prestar atenção demais ao que os outros dizem/pensam é querer se enganar. É você quem está deixando de levar em consideração sua própria opinião, empanturrando seus olhos e ouvidos com vozes alheias, belezas alheias. Com o que não é seu. Realmente importa o que os outros acham? Ou você não é forte o suficiente para crer em seu próprio julgamento?

Pela Primeira Vez

E ele me olhou, com olhos de quem vê pela primeira vez. Pude enxergar de novo o que já há muito não via mais: seus olhos quentes sobre mim, e meu sorriso que dançava pela boca.
Eu tinha sentido falta daquele rosto, dos dentes e do cheiro. Apesar do tempo, ainda me sentia no colegial. Afoguei-me de lembranças do que foi e do que poderia ter sido. E seus olhos distantes pareciam afogar-se comigo.

Foram alguns instantes em que voltei ao deserto de encantos e loucuras que ficaram pra trás. E por que ficaram pra trás? Já nem sabia quando, já nem sabia como... Já não havia pensamento que pudesse se organizar. Não me perguntava o que ele fazia ali, onde eu estava ou o que fora buscar. Meu corpo inteiro parecia concentrado em transbordar tudo aquilo que deixei que fosse. Tudo aquilo que nem sabia sentir mais.

- Oi. – foi só o que disse. Oi. Eu podia esperar qualquer coisa, mas oi? Contudo, logo em seguida, compreendi. Vi seus olhos desviarem-se, senti a sonoridade curta e tímida da pequena palavra e tudo o que ela poderia querer dizer.
Eu sorri.
- Oi. – foi só o que também saiu de minha boca, porém este não. Este foi mais lento, mais lânguido... Como se reproduzisse todo o silêncio de minha mente e o tempo triste que se fora. Fazia tanto tempo... Do que mais eu poderia me lembrar?
- Você ainda morde a boca quando pensa... – encarei-o intrigada. Seus olhos ainda eram tão doces quanto antes.
- É, eu, aah... Eu nem tinha reparado. – soltei a respiração forte e de uma só vez, também não notara que a andara prendendo.
- Haha, eu sei que não. – ele sorriu de lado, como fazia quando sabia que tinha razão. Talvez aquele fosse também seu sorriso de flerte. Não sei exatamente, ele nunca funcionara pra mim. Eu gostava muito mais... – Tão distraída como sempre. – olhei pra baixo e encarei meus pés que se cruzaram rapidamente.
- Novidade... – revirei os olhos. – Então, uuhn... O que anda fazendo por aqui? – ele me olhou com um pouco de espanto, o que não durou muito, pois pareceu lembrar-se de algo.
- Eu, aah, vim te ver. Não é óbvio?
- Rápido demais. – na-ná, ele ainda achava que conseguiria enganar a mim?
- ... Bem demais.
- Que?
- Nada.
- Ora! – cruzei meus braços em relutância. Puf...
- Haha, eu senti mesmo falta desta cara! – e então ele fez de novo, mais uma vez ele poderia me convencer de absolutamente tudo. Era o meu sorriso. Seus olhos viraram como quem está à espera de algo, que aparentemente não veio. Então continuou:
- Minha irmã está vendo uma proposta de emprego aqui, tranquei a faculdade, ‘tava pensando talvez em me mudar...
- Ah, eu aahn... Legal, sua irmã vai gostar daqui. Já não me vejo em outro lugar. Isso tudo parece parte de mim agora...
- Como um dia eu fui.
- Ahn? – suas palavras embaralharam-se em minha mente. Ele simplesmente não poderia ter dito o que achava que ele havia dito, poderia? – Doug, pra que isso agora? Por que só agora?
- Jane, eu não entendo, por que ‘tá falando assim comigo?
- Doug, eu que não ‘to entendendo! Eu fui embora há quase cinco anos! Sabe quantas vezes eu te vi esse tempo todo? Sabe quantas vezes eu vi seu número tocar? Ou quantas vezes eu pensei em voltar? - imaginei muitas vezes essa conversa, mas em nenhuma delas vi esse caminho, não acreditava no que eu mesma estava fazendo. Não, nem pra mim fazia sentido. – Você sabe quantas vezes cogitei abrir mão do meu maior sonho, Doug? Sabe?
- Não, eu não sei. – ele soltou uma respiração forte. – Eu só sei que atravessei mil quilômetros de estrada, deixei minha faculdade trancada, corri como um maluco pela cidade... Tem noção como é difícil encontrar seu número garota? Nem a Alice tinha isso mais!
- É lógico que não, ela quase não fala mais comigo desde que mudou pra Niterói, foi terminar o colegial lá, que seja... Você devia saber...
- Não é essa a questão, Jane! Que me importa a Alice? Que ela se exploda! Aliás, que essa cidade se exploda! Eu vim aqui na esperança de te ver outra vez! De novo...
- E a sua namorada?
- A gente não ‘tá mais junto.
- Por que trancou a faculdade?
- Eu não sei se é isso mesmo que eu quero.
- Então é isso? É esse o resumo? Você me aparece do nada, com sua vida fudida, querendo que eu a conserte mais uma vez?
- Você só pode estar brincando... Onde você aprendeu a falar assim? Eu falei que esses paulistas iam mudar a sua cabeça! Eu não devia...
- É, não devia mesmo! – a esta altura eu quase gritava, os sentidos borbulhavam por mim. – Você não devia muita coisa Doug! – tentava me acalmar, meu rosto fervia, devia estar vermelho. É, era como sempre acontecia... Há tanto tempo que já não acontecia... – Não devia muita coisa, mas bem, - soltei uma risada de escárnio – agora não faz muita diferença mais...
Ele abaixou a voz:
- Não faz? – aquilo parecia doer nele, tanto quanto nunca doeu em mim. Minha dor foi lenta, curtida, mas saboreada pouco a pouco. Não era como a dele, não, não, eu sofri tortura, ele talvez pena de morte. Mas ele não ia morrer mais, não mais.
Foi só um sussurro:
- Não mais... – e então eu vi a distancia, vi se aproximar devagar, com passos de quem não quer atrapalhar, com olhos de quem poderia devorar. Tão intensos quanto os dele; tão iguais na força, tão diferentes na razão... Tão mais meus.
Seus cabelos quase raspados e seu andar distraído eram tão diferentes do homem a minha frente quanto suas atitudes. Ele estivera comigo, a paciência fora dele, o tempo amargo também. Construímos aquelas pontes, elevamos montes, derramamos mar... Com o moreno havia sido diferente. Ele era o amor da sua vida. Fora forte, quase irresistível. Fora meu, mas fora pouco demais. Eram dama e cavalheiro sem assumir a dança. Nunca saímos do salão. Não, não, era mais forte do que poderíamos entender. Éramos jovens demais pra poder arriscar. Ou quem sabe um tanto tolos demais.
Sem querer eu sorri.

Ele acompanhou meu olhar, entendeu logo em seguida. Eu não poderia esconder, ele sempre entenderia sem que eu precisasse dizer. Seus olhos baixaram. Vi sua dor.
- Aham, eu já entendi. Eu... – ele perdeu as palavras. – só não faça na minha frente, ok?
- Ah... Doug... – Já sabia o que dizer, mas de repente ele só assumira seu lugar e falara tão igual ao loiro que quase me confundi. Eu quis fechar os olhos, quis voltar atrás. Quis o perfume de novo e o sorriso ao me ver outra vez. Quis todo o simples de antes. Quis, mais uma vez, ter feito tudo que deixei pra depois.
Mas ele chegara, passara a mão pela minha cintura e me apertara um pouco contra seus braços. Então me olhou nos olhos:
- Quer que eu saia? – foi quando vi. Ali, na minha frente. Era o que os diferenciava. Não eram os cabelos opostos, nem os olhos verdes: mais claro e mais escuro, não eram os ombros largos e fortes de Doug, nem seu bronzeado forte. Não era a pele clara de Tom, nem seu sorriso limpo. Não era a diferença em seus tons de voz, nem a força do abraço.
- Não, você pode ouvir. Foi ótimo te ver outra vez Doug, me liga se precisar de uma guia por algumas horas. Agora eu tenho que ir, tenho uuhn... Qualquer coisa com o meu namorado. – Era aquele brilho e a confiança que punha em mim. Ele sabia muito melhor do que eu mesma do que era capaz.

domingo, 4 de julho de 2010

Minha casa com você e o meu caso também

Talvez seja isso então. Ser adulto. Descobrir que seus sonhos serão quebrados e que você não vai trabalhar como quer. Você não vai salvar todas as crianças da África antes que gaste o melhor de sua disposição “salvando” rostos saudáveis. “É que eles precisavam de um reparo!”, é o que vão dizer. “O que precisava de um reparo era seu cérebro, seu duente!”, é, eu sei que vou pensar. Que bom para mim, pelo menos o cérebro de alguém tem que funcionar. Você também não vai salvar inocentes da apartação de tudo o que conhecem e tudo o que mais prezam. Não, não. Não antes de uns trinta anos trabalhando para impedir mais que a segregação, mais que a saudade dos filhos. Talvez pra garantir só alguns milhões a menos e alguns culpados que nem eram tão culpados assim. Talvez ninguém pense nos filhos quando pensa em tanto dinheiro. Talvez nem... Afinal, como se vende o amor?

Talvez depois de trinta anos você nem queira mais salvar ninguém, talvez aprenda a gostar de verde com toda a sujeira que vai ver. Talvez desentenda o que queria dizer quando tinha tempo pra pensar. Além do mais você não vai poder construir prédios chocantes, nem pontes que liguem cidades sem abastecimento. Nem construções enormes e muito coloridas, pra contrastar com as cores opacas das cidades. Não vai fazer um edifício pintado a letras de músicas do legião, nem uma chalana com um jardim-floresta no centro de São Paulo. Quem sabe alguns edifícios chatos e brancos que vão precisar sem repintados de dois em dois anos, com suítes e banheiras para todos os apartamentos. Além da enorme piscina e a vista pra praia, é claro. Talvez a praia se torne até particular. É, um dinheiro tão bem investido... Deve ser realmente louvável saber que foi o criador de tanta futilidade. E um viva aos lucros! Talvez você faça algumas entrevistas de que goste e muitas de hipócritas tão grandes quanto você. Talvez cuide de um zoológico inteiro. E então vai pensar: mas que ótimo! Pelo menos eu faço o que gosto e como gosto! Sim, lindo. Com animais presos. Realmente, louvável.

E vai parar, começar a pensar e procurar um sentido nisso tudo. Algum motivo pra continuar, algo que lhe dê forças. Talvez até pense em si matar. Ou mudar pro Hawaii e montar um restaurante. Às vezes em virar um naturalista ou um ativista no Tibet. E então se lembre de seus filhos, e de sua mulher. De como o sorriso dela pode fechar todo o quarteirão e parar o transito de uma cidade inteira. Ou ao menos o transito de sua cidade inteira. Vai lembrar deles correndo pelo jardim e pensar em como coisinhas tão lindas podem ter saído de você. Lembrar da mais nova gaguejando “papai”, e do mais velho aprendendo a jogar de verdade. A do meio com o skate no pé. O mais velho lhe vencendo na corrida. A do meio aprendendo a cantar. Da onde ela tirou aquela afinação? Ele nem devia saber cantar mais... A mais nova pedindo colo. O mais velho ajuda no dever de casa. Eles comendo pipoca na sala, e os olhos da mulher junto aos seus. Como fora que conseguira alguém tão perfeito assim? Por que mesmo ela lhe escolhera? Então vai pensar em como é sortudo. E em como foi ridículo pensar em si matar, ou em achar que tudo é ruim, que tudo é muito ruim, como todos parecem querer mostrar que é. E vai querer correr na praia de manhã e levar os filhos no parque, vai querer levar a família pra morar lá e depois rir da ideia. Quando fora mesmo que perdera a capacidade de rir assim de si mesmo? De querer o louco? De buscar aventuras? E vai pensar que talvez esteja ficando velho e de que devia levar a mulher ao Monte Santa Helena, como ela sempre quisera ir. Que deviam se mudar pro Hawaii e abrir aquele restaurante que sempre sonharam. Ou passar um ano velejando no projeto de sua esposa. E vai pensar na merda de trabalho que escolhera e como ele ocupava tempo demais de sua vida. De como era ruim trabalhar cinco dias pra viver só dois. De como não lhe valera de nada ganhar bem assim. De como seus maiores prazeres agora não vinham do dinheiro que tinha. E de que tudo o que lhe trazia sentido na vida nem em último lugar o trabalho tinha alguma relação. E vai querer saber da onde tirou a ideia estúpida de trabalhar com isso e não ser comentarista de esportes. E talvez perceba que o problema não era com as profissões, era com seus sonhos. E onde os guardara. De como gastara um tempo idiotamente grande se tornando tudo aquilo que sempre ridicularizava e ironizava. E chegue em casa e conte a sua mulher tudo o que queria fazer e de que essa vida não era tudo o que ele sonhara. Ainda. E ela lhe beije e diga que o ama e que um ano velejando era tudo o que ela precisava ouvir. E você se demita, ou tire férias pra começar a pensar em algo novo pra fazer. Ou começar a procurar nos classificados uma casa no Caribe. Talvez você também descubra que não é tão fácil assim, e talvez passe por dificuldades. Mas em meio à busca nunca mais pare pra pensar em se matar de novo. Porque apesar de todo fodido e sem dinheiro, você tem a mulher dos seus sonhos, filhos lindos pra criar e várias páginas em branco pra escrever. E que apesar de tudo estar uma bagunça com a sua mudança de casa, sua vida não poderia ser mais perfeita. E descubra que quando se faz o que se gosta, não importa como, as coisas simplesmente se acertam.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Dezenove

Abro os olhos, conto um a um: dezenove pela janela, eles sorriem. Canela, um pouquinho de avelã, tão meu, tão familiar que o peito até dói. Nada de lembranças, nada que me faça correr, apenas o gosto estranho de sono bem dormido. Minhas mãos apertam os lençóis. Mas logo me encolho e me estico, meus dedos tocam os olhos, meus dentes mordem os lábios, são eles que estão indo. Dezessete eu já tenho, mas quantos verei quando tiver dezenove? Talvez eu nem saiba mais contar... Vai ver serão os mesmos, mas mesmo assim eu não os veja. Talvez eles cantem, ou me gritem até enrouquecer... Quem sabe eu fique surda. Talvez entrem mais pelo vidro que irei ganhar ou vai ver eu os prenda em uma garrafa. Não, não, eles vão estar lá. Vão com suas cores, vão por minha sombra. Eles vão comigo. Talvez eles cresçam, ou quem sabe encolham, mas ainda assim, sempre estarão por perto. Além do mais, pela janela ela também me vê. E ela eu sei, nunca nem pode me deixar. Meus dentes me apertam de novo, não me lembro quando ele sorriu pela última vez com as palavras, mas elas estavam correndo outra vez. Ainda bem, eu também preciso delas.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Que Ela Costumava Ser

Ela costumava ser bem melhor, ou nunca repara o quão ruim era. Ela costumava gostar mais de si e ter muito o que dizer. Ela costumava chorar, mas não ia dormir triste. Ela costumava entender o que eles queriam, ou assim ela sempre achou. Ela costumava ser impulsiva, mas bem, isto ela continua sendo. Ela costumava ligar, ou só pedir um abraço. Bom, isto ela já nem precisa mais pedir. Ele sabe quando deve. Mas ele está longe demais, ou mais perto do que deveria. Ele ultrapassa barreiras e invade caminhos que nem ela mesma conhece, surpreende com coisas que ela devia saber. Entra sem pedir, invade sem querer. Toma seus espaços. Ela costumava não deixar ninguém entrar, ou talvez eles só não pedissem licença. Ela costumava não se acomodar e fingir não estar surpresa. Aos poucos ela se acostumava com os pedidos e se esquecia da janela aberta.

Ela costumava saber o que fazer, ou sempre faziam o serviço pra ela. Ela costumava estar no centro, mas conhecia um centro só. Ela costumava abraçar o mundo e conseguir se equilibrar. Ela costumava achar que escolhas a faziam perder, mas aprendeu que escolhas a fazem ganhar. Ela costumava ser rebelde, contudo não tinha causa. Ela costumava ser vaidosa, mas não se meter em encrencas. Ela costumava ser intensa, mas não demais. Ela costumava gostar do ar da manhã, e não sentir só o da noite. Ela costumava ouvir música sem letra, agora escuta letra sem música. Ela costumava ser doce e inteligente, e esconder as gotinhas de limão e esperteza só dentro do bolso. Ela costumava tomar partido dos oprimidos, mas não estar ao lado deles. Ela costumava gritar a sua vontade e ter o que queria, mas não ficar descontente assim também. Ela costumava se enterrar na areia e depois fugir pro mar. Ela costumava entender quando evitavam-na, mas não eram seus amigos que costumavam se afastar. Ela costumava entender quem andava com ela, agora ela só sabe quando andam. Ela costumava saber se divertir, ou pelo menos escapar. Ela ainda sabe escapar, mas não costuma se divertir com isso. Ela costumava saber a hora de parar; ela continua sabendo, mas já não consegue se conter. Ela costumava ser muitas coisas, ela ainda costuma ser. Mas já não é como antes.

terça-feira, 25 de maio de 2010

She is!

" She's a rebel,
She's a saint,
She's salt of the earth
And she's dangerous. "

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Nos Olhos do Gato

A solidão vinha com um gato silente e manhoso. Agarrando-me pelas pernas. Prendendo-me ao chão frio. Deixando-me com as cartas mal embaralhadas e um sorriso tosco pelo rosto.
Enquanto seus olhos tristes tocavam-me o coração, sorrateiros amontoavam toneladas de desespero aos meus pés. De onde vinha tanta infelicidade? Um gato tão manso... Condenado a arrastar consigo todo o mal-estar possível. Era como um alcoólatra. Compulsivo. Trazendo-me todo aquele lixo como sacos de suculosas frutas. Doces. Mortais. Contaminadas com veneno pra alma. Programado para desfibrilar todo o composto etéreo de meu brilho. Suas garras afiadas fatiavam minha paz, furtavam-me a esperança e desligavam o som.
Depois da dor seu pelo macio afagava-me com uma doçura insuportavelmente embusteira. Era assim, mordendo e assoprando, que me dominava.

Tornou-me dócil como seu suposto perfil.
Enfim enfeitiçou-me.
Marionete de suas dores me tornei.
Vendedora de suas ilusões.
Enfeitei seus brinquedos, fi-los vender. Aaaah... e como solidão fantasiada vende! Todos adoram histórias de pobres amordaçados para descontrair.
Serva de minha própria rotina.
Robô de meus próprios comandos.

Ordens programadas levaram-me por outdoors rasos e superficiais. Contudo, apesar de simples, as mensagens trouxeram-me as velhas chamas das palavras. Letras enfileiraram-se por caminhos sinuosos conduzindo-me a brumas distantes e tochas soberanas. Incendiaram minhas lembranças. Os olhos refletindo o pôr-do-sol... Um suspiro úmido soprando-me pequenas verdades... O grito selvagem das ondas do mar...
Dias silenciosos... E o gato que definhava pelos cantos. Derrubando as paredes mudas que cercavam-me como torres assombradas. E então o sussurro breve anunciou a sentença:
_ Quem tem fé sabe que não está sozinho.
E de repente, de pequeno o gato virou nada, nem um último miado a me assombrar. Somente um ronronar em meu corpo anunciando o fim.

domingo, 16 de maio de 2010

Ai, que vontande de escrever...

JJ. diz:
*ai que vontade de escrever :/
H. diz:
*escreve amor
*vai no blog
*e detona
*põe pra fora
*xD
JJ. diz:

*mas não sei o que escrever :~
*AHHIOAEHIOEAHOEHIOOAE
H. diz:
*o0
*lol
JJ. diz:

*só vontade ._.
H. diz:
*aFDJAEjfaeoihfaef
JJ. diz:

*vontade que vem e não passa ._.
*que vai crescendo, devagarinho, e se escondendo nos espacinhos do meu dia...
*no café da manhã e o passarinho que cantou lá fora
*e eu que nem vi voar...

JJ. diz:
*e na roupa que vesti antes de ir pra aula, e o pingo de tinta que misturou-se a ela e que nem notei ._.
H. diz:
*ahh
*continua
*._.
*eu tava aki esperando
*a próxima frase
*=(
JJ. diz:
*eu estava abrindo o word, mas mas mas...

H. diz:
*por favor?
JJ. diz:

*aaah... :S
H. diz:
* vai vai vaaai?
JJ. diz:
*'tá bem...
*então, onde eu tinha parado mesmo?

JJ. diz:

*aaah sim, e na manhã, nas pessoas andando apressadas pela rua, algumas até correndo....
JJ. diz:

*sei lá pra onde, às vezes é só atraso... quem sabe atrás de um beijo que esqueceram no vizinho ou da chave que ficou pra fora da fechadura.
*às vezes estão só seguindo o mesmo caminho de sempre, puro hábito, rotina que vai servindo de caminho, e vai levando, e levando... E me trazendo aquela vontande...
*aquela que vou escondendo pelos vãos e frestas que me perseguem e que é a mesma que vejo atrás do sorriso do carteiro;
*e aquelas que vem saltitantes pelas pedrinhas da rua,
*e que me cantam aos ouvidos,
*as notas leves e frias da manhã.


Aquela que me aparece nas árvores, bem encima dos galhos, aquela mesma que me faz abaixar ao passar pelas folhas cá embaixo, mas que nem ficam tão embaixo assim.

E meus pés agora tão próximos do destino! Entro sem nem perceber, e o ‘bom dia’ que não recebi vai ficando pra trás... Junto com a vontade de esconder as letras que vão brotando ali, pela grama, que vão se escorrendo nas paredes, rolando escada abaixo. E ali, pelo chão, pelos olhos, pelas mesas...

Sem demora já vejo vontade por todo lado! Pelas salas, calças e camisas. Pelos corredores, casacos e sapatos. E meus tênis vão subindo, subindo... E sozinhos querem alcançar o telhado, subir no terraço, misturar-se as nuvens....

Lá em cima venta, e com força meus cabelos batem. Formigam-se por responder o soluçar das brumas, que continuam a espalhar seus finos traços banhados a saudosismo e vontade. Vontade essa que chora e grita, esperneia e berra, que corre a me abraçar.
Que me toma e me cega, me leva pra longe; me amarra, me prende, me tira os sentidos. E tão feroz como vem, passa. Deixa-me só, corre o coelho à sua toca. Meu tempo se vai, meu desejo se põe. Enquanto o triste sol de inverno, lá em cima, sorri e me toca, feliz com a brecha nas nuvens.

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post nada bom, mas ainda sim pro meu heath, por ele que sempre me fazer lembrar o quão doce a vida pode ser, e por me amar assim, só por eu ser, como devo ser.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quase Amor!

" Como são tristes os pactos silenciosos entre aqueles que quase se amam! Que se seduziram, se tentaram, mas, por algum motivo anterior a ele, não se consolidaram amantes. Eles se encontram numa porta de cinema - entre um ou outro amigo em comum -, ora os dois sozinhos, sabendo-se comprometidos; ora um acompanhando, em desvantagem de olhar; ora os dois em casais, como no velho pagode: "ela e o namorado dela, eu e minha namorada". E não há o que dizer.

Há o pensamento - indômito! -, ávido por devanear hipóteses e, logo, abafá-las em algum lugar remoto entre o arrependimento e a esperança. O qual manda a razão chamar de sensatez. Como teria sido minha vida com ela? Como teria sido com ele? Se ao menos aquele jantar tivesse acontecido... Não há tempo verbal mais angustiante - e paralisante - que o futuro do pretérito. Até quando ele vai ter a chance de ser o futuro do presente?

Ex-amores tiveram a sua. Não aproveitaram. Vivem sob o consolo do inevitável, do “não era para ser”, “não dá”, “então diga que valeu”. Quase amores não valeram, ora. Não foram. Não voltaram. Ficaram entalados ali, mesmo quando correspondidos. Correspondidos no quase. No “peraí que eu já volto já”. O quase, como o amor, é infinito enquanto dura – mas dura mais. Pode doer menos, mas jamais se esvai. É o triunfo da fantasia sobre a realidade e suas lembranças. Da saudade do que nem começou sobre a saudade do que já se foi. É o pênalti perdido, a bola que não entrou.

Fica.

Por um “erro” de cálculo do destino - para não dizer, às vezes, nosso -, não aconteceu. Nunca se ajeitou o tal do timing. “Melhor assim”, dirão aqueles em cuja mentira preferem - ou precisam-crer, todos mestres em colocar defeitos naquilo - e naqueles - que não possuem. É o mecanismo de defesa da vida que segue, da bola pra frente, do vamos com tudo que a carroça – mais que a fila – tem que andar. E talvez elas – as carroças – se esbarrem mesmo lá na frente, onde o silêncio poderá ao menos dar palavra a um gesto, embora não, não nos guiemos pela possibilidade, sabe-se lá vindoura.

Como são tristes os pactos silenciosos entre aqueles que quase se amaram! Eles trocam pensamentos ininteligíveis uns com os outros, e depois, descaradamente, se viram para seus atuais – e quiçá vitalícios - amores – ou tão somente amores, grandes amores, quem dirá que não? -, num abraço arrebatado de uma saudade que não lhes pertence, ou num telefonema carregado de um desejo que não despertaram, como se descarregassem silêncios antigos em quem agora lhes é de direito. Ah, como são verdadeiros os falsos gestos de amor! O que seria amar senão descarregar em alguém todo – ou quase todo – o nosso amor acumulado? Sorte a de quem passou do quase, e tem hoje quem o descarregue em si. "


(Felipe Moura Brasil)
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ook, ook, já sei: recaída. tudo bem, tudo bem. 'tá tudo super estranho né? (:
mas aqui é novo, é diferente. e apesar das lembraças do primeiro/segundo ano formigarem na garganta o pacto silencioso continua... haha, aah, tudo que poderia ter sido...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

pra quem não pode controlar...


" Aah, eu perco o sono, lembrando em cada riso teu qualquer bandeira aah,
fechando e abrindo a geladeira a noite inteira... " - Cazuza e Bebel


Quando a gente está apaixonado tem tanta coisa que sente ao mesmo tempo...
Aaah, tem tanto coração acelerado, tanto coração na boca, tanto coração em beijo e tanto coração em sonho... E tem tanta palavra nova que surge e faz do nada um texto complexo pra caramba, banhado a antíteses, metáforas e um monte de palavras que nem lembrava que conhecia... E as cores lá fora parecem mais vivas, a vida parece algo maravilhoso, viver parece muito mais essencial... E a saudade aperta sempre, qualquer motivo lembra, qualquer lembrança faz rir...

Aaah, sim, eu sei como é estar apaixonada, eu me lembro muito bem. Lembro de meu corpo formigar, e também de como meu sorriso podia ultrapassar os limites da cara. O jeito como meu coração me atropelava e como eu não dizia coisa com coisa. É, eu lembro.

Acontece que não tem como a gente escolher quando vai acontecer, nem com quem. E por esses dias resolvi dar uma de cupida de mim mesma. Dá pra acreditar? Não, e não deu nem um pouquinho certo. O que tenho agora? Um coração na mão e a faca na outra. Só que nesse assassinato o assassino também corta a própria mão. Deixa uma marca funda, pra ver sempre. Pra lembrar que o papel de Afrodite só a ela pertence.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Just Like Heaven

Arrumou-se com um pouco de pressa, combinara às onze. A mão firme retocava o lápis na parte inferior dos olhos. A sombra clara destacava seu olhar escuro. Nos lábios, o vermelho atípico. Há muito se esquecera de como ficava bem com ele... O celular tocou em algum ponto do apartamento. Riu consigo ao pensar que nunca conseguiria deixá-lo em lugares de que se lembrasse e então foi procurá-lo. Mais alguns minutos, risos ao telefone, um pouco mais de perfume, uma última olhada ao espelho... Pronta.

No carro batidas agitadas pré-diziam a noite. E por causa do vidro meio aberto um vento gélido beijava-lhe a face. Deliciada com o gosto puro de liberdade cantarolava alegre a canção ressonante. Lá fora uma lua gorda e brilhante parecia gargalhar misteriosa como se pudesse prever a noite da bela moça.

Parou a menos de cem metros da boate. Tivera sorte, nem mesmo ela saberia explicar como conseguira aquela vaga. Afinal eram quase meia-noite e a fila fazia ciranda pelo quarteirão. Contudo não estava nem aí! Era uma linda noite, as estrelas pareciam holofotes e ainda sentia um vento tímido sobre a pele. Nem brincar de roda com toda aquela fila poderia arrancar-lhe o bom humor.

Já na festa o ambiente escuro e a música alta empurraram-lhe forte e sem tempo nem ao menos para respirar ao cume de toda a animação. Com um suspiro substancioso derramou o vento que lhe faltara ao entrar. Muita gente, conversas saltando aos ouvidos e um pouco de fumaça foram os ingredientes finais despejados à mistura fervente que compunha o ambiente. Um breve passeio pela pista e pode ver uma agitação louca de braços e gritos a sua espera. Pensou então que são nessas horas que cogitamos fingir que não é com a gente que estão mexendo. Mas por alguma razão louca ou por simples remorso, de lembrar que também era capaz de insanidades do tipo, foi ao encontro das garotas. Afinal a falação deu-lhe sede e em busca de uma bebida foi ao bar. De longe pode ver ombros largos e um jeito largado de encostar à bancada. Interessante.

“Não acredito!” – a frase surpresa da menina foi seguida por um olhar de espanto do rapaz.
“Eu...aah...”
“M* não é? É T*, a gente estudou uuhn... o ensino médio todo juntos.”
“T? Nossa, quase não te reconheci! Você está tão... bem!” – a garota sorriu em resposta. – Faz...”
“Muito tempo. Eu sei.”
“É... isso. Mas como você tem passado? Morando por aqui?”
“Uhum, fim de faculdade, vida nova, apartamento novo, tudo, er... quase tudo, novo.” – os dois riram um pouco.
“Nossa, que inveja, quem dera eu estive terminando.”
“Ué, mas não?”
“Aaah, a faculdade sim né, agora têm mais três anos de residência daqui pra frente.”
“Olha só o outro reclamando de barriga cheia! Já vai estar ganhando rapaz, não ‘tá bom não?”
“Bem... bom bom bom...”
“Não ‘tá não.” – os dois riram recordando os velhos tempos. – “Sei, sei... Mas e aí, ‘tá com galera aqui?”
“To, to com um pessoal ali...”
“Pois é, é que eu também, e as meninas estão me esperando...” – o rapaz olhou pra baixo e depois pros lados distraidamente como se tentasse se agarrar a algo que os prendesse ali. – “Não quer juntar o pessoal não?” – o loiro voltou o olhar para ela.
“Claro.” – um sorriso discreto encheu o rosto dela. Fazia tanto tempo...

Quando finalmente todos foram reunidos, o que a princípio deixou as moças furiosas com o fim precipitado da noite das meninas pareceu a melhor ideia da noite após um pequeno intervalo.

“Aaaah, para! Eu amo essa música!” - As mangas soltas do vestido estampado dançavam acompanhando seu compasso leve e único. Ele sorriu, de verdade, como não fazia há muito tempo. Cara, como ela lhe fazia bem!
“T*, você... ‘tá muito linda.” – o rosto corado dela ganhou um tom a mais. Ela sorriu.
“Eu... eu não imaginei que você fosse ficar assim.”
“Assim?”
“É... Assim.” – Seu olhar brilhante e a boca exalando mistério não deixaram que ele contestasse mais uma vez.
“Eu não acredito que deixei você passar... Eu era um garoto realmente muito bobo.”
“Eu também não acredito que te deixei passar...” – Seus olhos viram-se como não faziam há muito tempo e a música já não importava mais. Seus corpos encontraram-se e o gosto doce da boca dele encontrou a sua. Ela não se lembrava de ter esquecido do mundo em mais nenhum beijo. Mas ela já não se lembrava mais... Eles se encaixavam perfeitamente, sincronizados, análogos sem nem precisarem de nada igual, aprazíveis. Ficaram ali, não se sabe, quem sabe até o tempo parou... Primeiro foi descoberta, depois bem... Foi intensidade. Uma intensidade que não se lembrava em nenhum momento antes, mas ela já não se lembrava mais... E no fim, bem, não teve fim. Foi só... Quando eles sorriram.

“Eu vou buscar uma bebida. Você quer?”
“Quero, aar...”
“Vodka com kiwi.”
“Você ainda lembra...” – Ele sorriu em resposta e virou. Agora as lembranças inundaram sua mente e pras costas dele ela se despediu. Correu. Fugiu. Saiu pela noite sem rumo ou direção. E a lua parecia gargalhar misteriosa como se quisesse dizer que tinha razão.


*de asas a sua imaginação ;)

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era pra ter ficado 1k de vezes menor, mas no fim... bem, textos são assim, quando ganham vida parece que suas pernas são capazes de correr por léguas sem se cansar. Fogem.

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à
[efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das
[casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas
[junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultura e merencória infância.
não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e comtempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 4 de abril de 2010

Péssimo Dia

Quando nascemos não vemos direito nem a memória é boa. Daí vamos crescendo e com o tempo tudo se torna mais complexo. Passamos a ter noção das coisas ao nosso redor. Mas o tempo continua caminhando, quicá pra alguns até correndo... e quando ficamos velhos voltamos a ignorância original.
Um paradoxo meio estranho. Meio correto. Meio triste. É... meio triste.
Talvez seja porque esse começo e fim mudos nos tornem melhores do conseguimos ser durante todo o tempo de sentidos aguçados. Ou quem sabe só seja melhor mesmo esquecer...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

um pedacinho do bolo

_ Vendo pedaços de palavras tão fortes e queridas perguntou-se então, mais uma vez, como ela consegue? Ser tão boa no mais simples que faz? Em seu íntimo foi relembrando textos, remoendo vivas, remexendo em si. Lembrou-se de vozes alheias apagadas por sua mistura de palavras tão viciante que chegava a entorpecer. E os olhos esperançosos que só podia imaginar? E lógico, as palavras de surpresa que guardava tão carinhosamente em sua caixinha de joias. Caixinha esta que escondia no bolso e levava consigo para que acalentassem-na sempre que necessário, ou podemos ler simplesmente, possível. E as letras de outros? Aaah, estas serviam de cobertor à noite e as vezes ocupavam o lugar dos ursinhos, que infelizmente já não enchiam metade do quarto. Quem sabe onde estariam... Quem sabe sorrindo com outras crianças ou fazendo de ciscos amiguinhos. Quem sabe... Mas o fato é que a ela já não serviam de consolo. As brincadeiras de antes, tão simples, já não satisfaziam. E as explicações fáceis que já nada explicavam? Assim também era com a pelúcia que antes tão bem confortava.

É... o tempo insiste em usar todo o potencial de suas grandes pernas substanciosas...

E agora podia ver alguns pequenos gestos tortos, e seus muitos motivos. Motivos vivos, motivos vulcanosos, motivos seus. Assim lembrou-se do amor e também de pequenas políticas. Lembrou-se do fel e do gosto muito doce do um bem acompanhado ou quem sabe até do nove que muitas vezes revoltado por não ser dez brilhava muito mais. Brilho cor de mel, com gosto de mel e cheiro também. Talvez com mel demais... Com o cair das folhas, o doce perdeu-lhe a graça. Perdeu-lhe a pose e os rodopios simétricos. Perdeu-lhe o rosto de porcelana e a postura de bailarina. Perdeu-lhe o som, perdeu-lhe a canção e a melodia. Então perdida, no escuro assustador dos ouvidos, sentiu-se . E tão só consigo viu seus gritos ecoando, quentes, pelo corredor. E de suas cores notou os pontos fervilhantes de revolta, os pontos ácidos de críticas, os pontos viris de metáforas. Metáforas tantas que afogava-se entre cadeiras, comidas e ventiladores. E no meio de tanta bagunça pode notar enfim que seus olhos fortes e suas mãos macias de dedinhos pequeninos estavam ali pra mexer com o de fora, não o de dentro.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

pra me lembrar de não esquecer

Estou claramente com sinais transbordantes de loucura. Uma loucura nunca branda, nem passageira. E em você estou me afogando, em seu cheiro que me ameaça a cada segundo, me sufoca.
Seus passos lentos e calmos me abandonam a toda hora e a minha falta de lucidez é de toda sua.
Devaneio em princípio de sono com o momento em que premiada com a descoberta do porquê não vem falar comigo é feita.
Sua falta de postura me tira tudo de sensato. E leva consigo ao infinito meu próprio eu, disfarsado de você. Enquanto fugir de tuda culpa escancaradamente sua não vai te corroer como ácido do modo ardente que desejo, pois não sabe, pois não diz e o que sono me toma a realidade de mais uma noite sozinha
...


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" Vivo da vontade insana de um dia em seus sonhos me encontrar. "

J.J. 17.05.09

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Tema: "A mim ensinou-me tudo"

Mas não me ensinou a viver,
A vida trouxe-me a experiência,
Mas não me constou como agir no segundo próximo.
Ensinaram-me como agir, como falar, como jogar...
Não me podem obrigar a assim fazer.

Recitei frases, fiz textos, li poemas,
Mas o que escrevo não vem só de mim, vem de todos e de nenhum.
Minhas páginas em branco argumentam por mim.
Minhas páginas escritas são argumentadas por outros.

J.J. 18.03.09

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Junta tudo com bastante saudosismo e você quase pode entender tudo que passou, ou que não passou... Mas enfim, saudades do primeiro ano. :')

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

good day

" A luz brilhante do sol bate a porta e não espera que lhe dêem passagem. Arromba janelas, espreme-se por frestas e gretas, invade e doma a escuridão. Enche tudo o que toca e quando enfim noto, o festim já vai longe, deixando-me só com risos, gritos e fogos. Um turbilhão de emoções embrenhando-se pelas vigas da construção. Estremecendo-lhe paredes. Enraizando-se em pisos. Um enorme banquete disposto pelo cômodo, majestoso, de grandeza leve e pura.

Penas brancas compõem pequenas asas crescentes em minhas costas. Mas essas somente batem de verdade enquanto sou convidada a entrar naquela dança por seu lindo sorriso. Minh’alma valseia pelo salão preenchendo todo o vazio antes por ele imposto. Uma brisa cálida percorre-me enquanto meus pequenos giros fazem a seda clara de meu vestido anil ganhar vida. Como as chamas agitadas de uma fogueira em princípio de noite, a plenitude trazia luz e fogo ao ambiente. Plenitude esta, óbvia, já que vista de fontes cristalinas. Águas claras que escorriam de buracos, jorravam de paredes, fugiam da prisão...

Minhas pupilas cerradas gargalham sem-vergonhas, buscando compartilhar também da euforia. Calma. Agora falta pouco.

Pequenos pássaros invadem o diminuto, porém augusto palácio com seus cantos de início baixos e serenos, mas que ganham força e podem, em segundos, ser considerados a mais bela das sinfonias. O vento fresco da manhã pinica em minha pele cobrindo-me com a protetora manta da aurora e o cheiro orvalhado e de frutos silvestres transpõe os limites físicos e toma meu ser. A procura de mais do perfume doce e sutil inspiro profundamente. Em seguida mecho-me preguiçosamente a procura de maior conforto e esfregando levemente o rosto no travesseiro finalmente meus olhos piscam atordoados e abrem-se para o deleite da mágica de mais uma manhã de verão. "