E vai parar, começar a pensar e procurar um sentido nisso tudo. Algum motivo pra continuar, algo que lhe dê forças. Talvez até pense em si matar. Ou mudar pro Hawaii e montar um restaurante. Às vezes em virar um naturalista ou um ativista no Tibet. E então se lembre de seus filhos, e de sua mulher. De como o sorriso dela pode fechar todo o quarteirão e parar o transito de uma cidade inteira. Ou ao menos o transito de sua cidade inteira. Vai lembrar deles correndo pelo jardim e pensar em como coisinhas tão lindas podem ter saído de você. Lembrar da mais nova gaguejando “papai”, e do mais velho aprendendo a jogar de verdade. A do meio com o skate no pé. O mais velho lhe vencendo na corrida. A do meio aprendendo a cantar. Da onde ela tirou aquela afinação? Ele nem devia saber cantar mais... A mais nova pedindo colo. O mais velho ajuda no dever de casa. Eles comendo pipoca na sala, e os olhos da mulher junto aos seus. Como fora que conseguira alguém tão perfeito assim? Por que mesmo ela lhe escolhera? Então vai pensar em como é sortudo. E em como foi ridículo pensar em si matar, ou em achar que tudo é ruim, que tudo é muito ruim, como todos parecem querer mostrar que é. E vai querer correr na praia de manhã e levar os filhos no parque, vai querer levar a família pra morar lá e depois rir da ideia. Quando fora mesmo que perdera a capacidade de rir assim de si mesmo? De querer o louco? De buscar aventuras? E vai pensar que talvez esteja ficando velho e de que devia levar a mulher ao Monte Santa Helena, como ela sempre quisera ir. Que deviam se mudar pro Hawaii e abrir aquele restaurante que sempre sonharam. Ou passar um ano velejando no projeto de sua esposa. E vai pensar na merda de trabalho que escolhera e como ele ocupava tempo demais de sua vida. De como era ruim trabalhar cinco dias pra viver só dois. De como não lhe valera de nada ganhar bem assim. De como seus maiores prazeres agora não vinham do dinheiro que tinha. E de que tudo o que lhe trazia sentido na vida nem em último lugar o trabalho tinha alguma relação. E vai querer saber da onde tirou a ideia estúpida de trabalhar com isso e não ser comentarista de esportes. E talvez perceba que o problema não era com as profissões, era com seus sonhos. E onde os guardara. De como gastara um tempo idiotamente grande se tornando tudo aquilo que sempre ridicularizava e ironizava. E chegue em casa e conte a sua mulher tudo o que queria fazer e de que essa vida não era tudo o que ele sonhara. Ainda. E ela lhe beije e diga que o ama e que um ano velejando era tudo o que ela precisava ouvir. E você se demita, ou tire férias pra começar a pensar em algo novo pra fazer. Ou começar a procurar nos classificados uma casa no Caribe. Talvez você também descubra que não é tão fácil assim, e talvez passe por dificuldades. Mas em meio à busca nunca mais pare pra pensar em se matar de novo. Porque apesar de todo fodido e sem dinheiro, você tem a mulher dos seus sonhos, filhos lindos pra criar e várias páginas em branco pra escrever. E que apesar de tudo estar uma bagunça com a sua mudança de casa, sua vida não poderia ser mais perfeita. E descubra que quando se faz o que se gosta, não importa como, as coisas simplesmente se acertam.
domingo, 4 de julho de 2010
Minha casa com você e o meu caso também
Talvez seja isso então. Ser adulto. Descobrir que seus sonhos serão quebrados e que você não vai trabalhar como quer. Você não vai salvar todas as crianças da África antes que gaste o melhor de sua disposição “salvando” rostos saudáveis. “É que eles precisavam de um reparo!”, é o que vão dizer. “O que precisava de um reparo era seu cérebro, seu duente!”, é, eu sei que vou pensar. Que bom para mim, pelo menos o cérebro de alguém tem que funcionar. Você também não vai salvar inocentes da apartação de tudo o que conhecem e tudo o que mais prezam. Não, não. Não antes de uns trinta anos trabalhando para impedir mais que a segregação, mais que a saudade dos filhos. Talvez pra garantir só alguns milhões a menos e alguns culpados que nem eram tão culpados assim. Talvez ninguém pense nos filhos quando pensa em tanto dinheiro. Talvez nem... Afinal, como se vende o amor?
Talvez depois de trinta anos você nem queira mais salvar ninguém, talvez aprenda a gostar de verde com toda a sujeira que vai ver. Talvez desentenda o que queria dizer quando tinha tempo pra pensar. Além do mais você não vai poder construir prédios chocantes, nem pontes que liguem cidades sem abastecimento. Nem construções enormes e muito coloridas, pra contrastar com as cores opacas das cidades. Não vai fazer um edifício pintado a letras de músicas do legião, nem uma chalana com um jardim-floresta no centro de São Paulo. Quem sabe alguns edifícios chatos e brancos que vão precisar sem repintados de dois em dois anos, com suítes e banheiras para todos os apartamentos. Além da enorme piscina e a vista pra praia, é claro. Talvez a praia se torne até particular. É, um dinheiro tão bem investido... Deve ser realmente louvável saber que foi o criador de tanta futilidade. E um viva aos lucros! Talvez você faça algumas entrevistas de que goste e muitas de hipócritas tão grandes quanto você. Talvez cuide de um zoológico inteiro. E então vai pensar: mas que ótimo! Pelo menos eu faço o que gosto e como gosto! Sim, lindo. Com animais presos. Realmente, louvável.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário